06 OUTUBRO 2022  5ªfeira

Recital de Violino & Piano
 

21h00 Igreja de Santa Maria – Cidadela de Bragança

 

Diana Tishchenko Violino
Filipe Pinto-Ribeiro
Piano
DSCH – Schostakovich Ensemble

PROGRAMA
Franz Schubert   (1797-1828)
Sonata D. 574 “Gran Duo”
    I. Allegro moderato
    II. Scherzo: Presto
    III. Andantino
    IV. Allegro vivace
 
Bohdan Sehin (1976-  )
Остання колискова – “A Última Canção de Embalar”
              * Estreia mundial neste concerto
 
Maurice Ravel  (1875-1937)
Tzigane
 
Claude Debussy (1862-1918)
Beau Soir
Minstrels
Clair de Lune
 
Fritz Kreisler (1875-1962)
Liebesleid
Caprice Viennois, Opus 2
 
George Gershwin (1898-1937)
Summertime (arr. J. Heifetz)
Bess, You Is My Woman Now (arr. J. Heifetz)
It Ain’t Necessarily So (arr. J. Heifetz)
 
NOTAS AO PROGRAMA
 
Schubert e Kreisler são, de certo modo, os pilares nas extremidades temporais do que foi a presença do ‘wienerisch’ na música culta, ou seja a presença de uma certa ‘marca’ (ou ‘qualidade’) tipicamente vienense. Não tanto na Sonata D. 574, escrita por um jovem de 20 anos (pela data de Agosto de 1817) dando os primeiros passos como músico profissional. Nela nota-se antes a presença de Beethoven, mas já algumas marcas que se tornarão identificativas de Schubert: o gosto pelas modulações ‘em cadinho’, a alternância de tonalidade maior/menor (como ‘jogo de luz’ harmónico) e os temas de um ‘cantabile’ que quase poderiam ser linhas vocais de um dos seus ‘Lieder’.
Já de Kreisler (1875-1962) ouvimos duas peças que ele compunha essencialmente para apresentar como ‘extras’ nos seus recitais e onde gostava de ir buscar às memórias da sua Viena natal. ‘Liebesleid’ (‘Dor amorosa’) é a segunda das 3 ‘Alt-Wiener Tanzweisen’ (ed. 1905), ao passo que ‘Caprice Viennois, op. 2’ (ed. 1910) apresenta uma Introdução, depois um tema valsante, uma secção central afim da polca e da música húngara. Regressa o tema valsante, fechando com uma Coda que lembra opereta.
‘Beau Soir’ é o título de uma ‘mélodie’ (para voz feminina e piano) sobre poema de Paul Bourget. A datação é incerta, mas 1890 será a data mais provável, tendo sido editada em 1891. Também de 1890 é o ‘Clair de lune’, o mais famoso luar da história da música, junto com o da Sonata de Beethoven. O título provém do poema homónimo de Paul Verlaine (que Debussy musicou por duas vezes), incluído na recolha ‘Fêtes galantes’ (ed. 1869). Veio a integrar a ‘Suite bergamasque’, de que é o 3.º andamento. Trata-se de um ‘Andante’, marcado ‘très expressif’, na lírica tonalidade de ré bemol Maior.  
‘Minstrels’ data de 1910 e foi integrado, como peça conclusiva, no 1.º Livro dos ‘Préludes’, numa altura em que Debussy já começara a escrever novos Prelúdios para o que seria o Livro II (1910-12).
Os 3 trechos de Gershwin provêm todos da sua ópera ‘Porgy and Bess’, estreada em 1935, em Boston. ‘Summertime’ (que depressa se tornou um ‘standard’) aparece em cada um dos 3 actos dessa ópera como aquilo que é: uma canção de embalar para adormecer o bebé de Clara. ‘Bess, you is…’ (acto 2, cena 1) vem do dueto entre Porgy e Bess, em que os dois expressam o seu amor um pelo outro. Por fim, ‘It ain’t’ (acto 2, cena 2) é cantado por Sportin’Life, personagem que é o portador da desgraça na ópera.
A ‘Tzigane’ estreou em Londres, pela dedicatária Jelly d’Aranyi, a 26/4/1924 e, nem seis meses depois, na versão orquestral, em Amesterdão. Segundo Ravel, é uma ‘peça de virtuosidade ao estilo de uma rapsódia húngara’. O 1.º terço da peça é um longo solo (‘cadenza’ em jeito de improvisação) do violino; entra então o piano, que irá assumir funções de ‘nuvem tímbrica’, ‘chão’ para os temas do violino, ou ‘partner’ na condução temática. A secção já em duo ressalta pela progressiva aceleração do ‘tempo’ (de ‘Moderato’ até ‘Presto’), mas sempre com espaço para a “elasticidade” na enunciação. Termina em modo ‘strepitoso’.
Bohdan Sehin (n. 1976, região de Ternopil/Ucrânia ocidental) dedicou ‘Koliskova’, que será interpretada em estreia mundial neste concerto, a Diana Tischchenko. É uma obra deste trágico ano de 2022, escrita em memória de um soldado ucraniano morto em combate. Sehin é considerado um dos compositores ucranianos mais destacados da atualidade e é ainda programador musical muito ligado à promoção da nova música no seu país.
 
Остання колискова – “A Última Canção de Embalar” para violino*
A inspiração para escrever esta peça foi a canção de embalar ucraniana “Kolysonka klenovaya”, que ouvi em junho deste ano, quando uma mãe enlutada a cantou no funeral do seu jovem filho que morreu na guerra russo-ucraniana. Era a sua última canção de embalar, a última canção que uma mãe cantou para o seu filho. Ela nunca mais o verá e não cuidará dele, não terá o conforto do seu amor e do seu cuidado, e não ficará feliz com os netos que ele lhe poderia dar numa outra vida pacífica. Cantou-lhe a canção de embalar da sua própria mãe. Sem lágrimas nem expressões emotivas, mas com tão profundo pesar e desespero que, enquanto cantava, mal conseguia conter toda a tragédia da sua maternidade. A minha composição é uma espécie de espelho que reflecte toda a tristeza e tragédia do nosso tempo,  em que vivem actualmente milhares de mães na Ucrânia.
Bohdan Sehin, Agosto de 2022
* Estreia mundial no BRAGANÇA CLASSICFEST 2022